SARAVOLEIO
Saravoleio
Inventei o neologismo “Saravoleio” como referência ao meu processo atual de produção artística. A palavra combina *“Saravá”, que é uma saudação nos cultos afro-brasileiros que significa “Salve”, e “Voleio”, jogada de muita habilidade no futebol que consiste em passar a bola recebida antes que ela caia no chão.
“Saldar” a inspiração e “rebatê-la” para o mundo sem que ela perca o vigor, frescor e força, define ao meu ver, de forma excelente o ato criativo.
Inspiração
A “inspiração artística” é à vezes confundida com uma espécie de transe-místico, um certo arroubo criativo dramático! Na minha experiência não é bem assim, não há nenhuma sensação de possessão que me submete, me escravisa à consumação da obra criativa.
A Psicologia e a Filosofia servem muito bem à abordagem da “Inspiração”, sem mistérios.
Pulsão
“...Impulso, instinto ou pulsão, do ponto de vista analítico, deve ser entendido como um processo dinâmico consistindo numa carga energética que faz tender o organismo, através de um trabalho, para um fim, a descarga.” **
Na minha opinião, o "faz tender" da definição acima é um modo polido de afirmar que há um desmonte de resistências, uma autêntica “fraquejada” diante do irresistível, ou da percepção aguda da tangibilidade da obra, da possibilidade de produzí-la, realizá-la, ou seja, de tão concreta que a expressão/obra parece, é quase que inevitável consumá-la. Na verdade a obra ou parte dela ganha substância na percepção do artista, indicando os meios de realizá-la. Lembra um pouco um orgasmo? Sim, de certa forma! É como se fosse um orgasmo que produz outros, alheios!
Porém, ao contrário do que sugere, td isso não se dá de uma forma cinematográfica, espetacular, explosiva! Ao menos no meu caso, não. O que rola é uma espécie de surpresa! Surpresa por algo ordinário, prosaico, comum, como uma cena de rua, uma pessoa e suas roupas, ou uma memória, frase de música, paisagem que se apresentam de uma forma vívida, pulsante, potente o suficiente para causar um arrebatamento e um desejo irresistível de revelar, gerar uma representação daquela impressão original, com a qual se está em uma relação dialógica.
Gestalt
A teoria da Gestalt (da figura … da figura x fundo), também oferece uma boa abordagem para a idéia de “inspiração”. Segundo a teoria, a mente através da visão sobrepõe à visão do todo sobre a das partes deste todo, e isso ocorre porque nossa mente tende a preencher, resolver a figura, com informações que faltam. É a mesma coisa que dizer a percepção artística se dá a partir de sinais, de partes, aspectos dos eventos, e processa com intencionalidade estética estes sinais produzindo uma representação artística do todo.
Relação dialógica
Martin Buber, filósofo associado ao existencialismo propõe que nossa relação com o mundo se define à partir das alternância entre a relação “Eu- isso” e a relação “Eu-tu’. Suspeito que a percepção e produção artísticas se inserem no contexto da da relação Eu-Tú, ou se configuram com a qualidade dessa relação proposta por Buber.
A relação Eu-Tú é a relação com o imprevisível, com o que tem poder de determinar a mim, e de dispor-se à minha determinação.
Quando reflito sobre a prática artística os conceitos acima sempre aparecem e me satisfazem enquanto abordagens dessa prática.
*Porta Geledés (Conheça palavras africanas que formam nossa cultura) - **Infopédia (Pulsão)